The Project Gutenberg EBook of Necessidade de um Ministerio de Instrucção Publica, by Antonio da Costa This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Necessidade de um Ministerio de Instrucção Publica Author: Antonio da Costa Release Date: June 13, 2010 [EBook #32794] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MINISTERIA DE INSTRUCCAO PUBLICA *** Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) NECESSIDADE DE UM MINISTERIO DE INSTRUCÇÃO PUBLICA POR D. ANTONIO DA COSTA LISBOA IMPRENSA NACIONAL 1868 NECESSIDADE DE UM MINISTERIO DE INSTRUCÇÃO PUBLICA POR D. ANTONIO DA COSTA LISBOA IMPRENSA NACIONAL 1868 NECESSIDADE DE UM MINISTERIO DE INSTRUCÇÃO PUBLICA I A organisação do ministerio do reino em Portugal era um estado no estado até ha poucos annos. Dizemos estado no estado impropriamente, porque melhor diriamos negação do estado. Negocios, que n'outros paizes constituem quatro e cinco ministerios differentes, accumulavam-se, por um phenomeno cuja explicação o paiz encontrava na carencia do progresso, n'um unico ministerio, ligado por um chefe superior, que tinha o direito da sciencia innata, e presidido por um ministro, que tinha a obrigação de ser encyclopedico. Uma tal estagnação administrativa no centro do movimento das idéas e das justas aspirações dos espiritos era a impossibilidade governativa. A creação do ministerio das obras publicas em 1852 deu o primeiro passo no caminho da descentralisação. A reforma posterior de 1859, dividindo o ministerio do reino em tres direcções independentes, se não pôde ainda completar a idéa, foi todavia outro passo ousado na organisação dos serviços e na facilitação de futuras reformas. O systema centralisador, abolido em 1859, tinha tres inconveniencias radicaes: a falta de unidade nos negocios, a impossibilidade de poder o chefe superior da secretaria estuda-los devidamente, e a centralisação nas mãos do ministro de assumptos insignificantes, com prejuizo do regular andamento da alta administração, e com offensa ao senso commum, que só inventou os ministros para os elevados pensamentos do estado, para as iniciativas arrojadas e para as resoluções definitivas na sciencia de governar. Foi aquelle systema impossivel que a reforma de 1859 extinguiu, dispondo assim o terreno para commettimentos descentralisadores mais productivos e de que ella vinha ser a experiencia e o prenuncio. II Que resultados produziu o systema das direcções? Restringindo-nos á direcção geral de instrucção publica, por ser a especialidade que tratâmos n'este escripto, cujo intento é patentear a indispensabilidade de um ministerio de instrucção nas condições que havemos de expor, vamos indicar as principaes consequencias do pensamento que presidiu á organisação descentralisadora. A arvore produziu os seus fructos, e a fecundidade da tentativa é um dos argumentos que prognosticam a efficacia do novo ministerio. A direcção, pondo em pratica todos os meios de independencia e de acção /propria/, que constituiam a sua rasão de ser, facilitando pela correspondencia directa com as auctoridades e corporações a expedição e preparação dos processos, e unificando-se nas suas diversas especialidades como ramos da mesma arvore, realisou a idéa da reforma, provando que sem a unidade do pensamento e a independencia descentralisadora, que eram as suas bases, impossivel seria alcançarem-se os resultados que a administração do ensino publico tem obtido ha oito annos. A partir do novo systema a organisação do ensino primario recebeu um auxiliar na iniciativa local do municipio e da parochia, abriram-se as duas escolas normaes, fundaram-se 483 cursos nocturnos, iniciaram-se as conferencias do magisterio, publicou-se a reorganisação da instrucção secundaria e do curso do commercio, estreando-se o ensino do desenho, instante necessidade da epocha, promoveu-se a construcção de casas para escolas, promulgaram-se regulamentos para os exames de habilitação, para as jubilações, concursos, suspeições, e para occorrer á interrupção do serviço, realisaram-se vendas importantes dos livros duplicados das bibliothecas nacionaes, e com o seu producto adquiriram-se collecções de livros modernos, verificaram-se duas inspecções extraordinarias em todo o reino para estudar o estado moral, intellectual e material das escolas primarias officiaes e livres, prepararam-se em resultado d'essas inspecções trabalhos estatisticos, que brevemente hão de ver a luz e servir de base á discussão das principaes questões do ensino. Outras providencias se verificaram, e ainda outras se dispozeram que não chegaram a receber sancção governamental. Longe de nós o querermos indicar que a instrucção nacional corresponda ao que d'ella exige o problema do seculo XIX. No correr d'este escripto diremos o que pensâmos a tal respeito. Mas uma cousa são as grandes reformas legislativas, outra a execução da legislação existente. O que pretendemos evidenciar é que nem os ministros poderiam estar habilitados para decretar, nem o conselho geral de instrucção publica para estudar e preparar os trabalhos que foram commettidos ao seu illustrado parecer, se não fosse o systema descentralisador de uma direcção independente, e que os resultados patenteiam a necessidade de caminhar da direcção para o ministerio, em vez de retrogradar para o tempo que morreu. A esta necessidade só se póde acudir com um ministerio de instrucção publica. III A questão fundamental é a conversão da direcção geral de instrucção publica n'um ministerio gerido cumulativamente com algum dos outros ministerios por um só ministro. A idéa não é nossa, é do actual ministro da marinha, o sr. Latino Coelho, e por s. ex.ª apresentada em proposta ao conselho geral em data de 21 de fevereiro de 1862. A nossa idéa iria mais adiante, pedindo um ministerio de instrucção publica independente, mas, não sendo este o momento opportuno, adoptámos a idéa do ministerio cumulativo. Entretanto, aindaque a idéa não é nossa, seja-nos permittido sustenta-la, mostrando como esta reforma urge indispensavelmente, e se póde executar, não só sem augmento de despeza, mas até com economia. A creação de um ministerio de instrucção publica justificam-a rasões de ordem politica, de ordem administrativa e de progresso, diante da necessidade de dar impulso ás variadas questões de um dos mais difficeis problemas da governação, se não o mais difficil: o problema do ensino nacional. Para exemplo ahi está o mundo. Têem ministerio especial de instrucção publica a França, a Italia, a Prussia, a Austria, a Baviera, a Suecia, a Dinamarca, a Saxonia, tem-o a propria Russia, a propria Turquia e até a Persia. Se a Hespanha o não possue ainda, já o descentralisou todavia do ministerio da governação, e se a Belgica é excepção, é porque o ensino n'aquelle paiz-modelo se baseia no systema da ampla liberdade, alem de que tem duas direcções geraes de instrucção correspondentes a um verdadeiro ministerio. Ora Portugal não póde ter rasão contra o mundo. O primeiro fundamento, para se aconselhar a creação de um ministerio de instrucção publica, é a necessidade de collocar á frente do ensino, na successiva organisação dos gabinetes, um ministro especial. Por escusado teriamos declarar que não tratâmos de pessoas, tratâmos da questão unicamente na altura dos principios. A feição caracteristica do ministro do reino em Portugal, e na maior parte dos paizes, é a politica interna. Torna-se impossivel ao ministro que tem a seu cargo a direcção da politica, da administração, da policia, da beneficencia, da saude, prestar serio e incessante cuidado ás innumeraveis questões da instrucção nacional, que pela nossa organisação comprehende a instrucção primaria, secundaria e superior, as bellas artes, as academias, as imprensas, as bibliothecas, os jardins botanicos, os observatorios, os museus, e ainda outros estabelecimentos cujo complexo a custo póde ser attendido, mesmo por um ministro exclusivo. Duplica a impossibilidade, se attendermos a que se não trata só de regular a questão do ensino, mas de estudar, de traçar e defender as reformas nos diversos ramos, principalmente no da instrucção primaria, o mais urgente e o mais difficil. Assim, já porque o ministro do reino, collocado entre a direcção politica do paiz e a instrucção publica, é constrangido a sacrificar a instrucção, como os factos têem demonstrado no decorrer dos annos, já porque a principal qualidade exigida para a pasta do reino é a importância politica dos cavalheiros indigitados pelas situações que nas lutas parlamentares conquistam o poder, é obvio que a pasta da instrucção publica deve ser entregue em cada modificação de gabinete áquelle dos ministros que pela ordem dos seus estudos e vocação especial do seu espirito se ache mais nas circumstancias de gerir o assumpto. Ha mais. É innegavel que as conveniencias politicas, mesmo as legitimas, as que são admittidas pelos costumes e pela indole das instituições constitucionaes, reclamam do ministro que dirige a politica interna certas concessões. Todo o systema da instrucção se tem resentido d'este facto, e dizemo-lo sem o receio de sermos desmentidos, não ha reformas possiveis no circulo do ensino, principalmente do ensino superior, cuja urgencia é por todos reclamada, emquanto essas reformas dependerem do ministerio que tem a seu cargo a politica interna com todas as complicações eleitoraes e locaes. Outras rasões importantes se alliam a estas. Sabem todos que durante a sequencia de cada anno economico ha sobras em diversos capitulos do orçamento do estado. O fallecimento de professores, a vacatura de cadeiras pelo movimento dos concursos, a prohibição das accumulações de ordenados e outras circumstancias, proporcionam sempre um saldo, que se deve naturalmente applicar a melhoramentos da mesma especie, n'este caso a melhoramentos da instrucção. Uma tal providencia é nos outros paizes um grande recurso para a administração do ensino. Foi em virtude das sobras que ultimamente o ministro da instrucção publica de França conseguiu augmentar em toda a superficie do imperio o subsidio ás professoras de instrucção primaria. Succede porém entre nós que este recurso póde deixar de ser applicado exclusivamente á instrucção, por isso que o saldo da instrucção publica não forma saldo da direcção geral, mas saldo de todo o ministerio do reino. 0 prejuizo é ainda mais grave, e pedimos attenção especial para as seguintes considerações. A instrucção primaria, dotada entre nós tão mesquinhamente, que apenas é contemplada com a quarta parte da dotação geral da instrucção e estabelecimentos litterarios, tem uma sobra annual de 23:000$000 réis, cifra redonda. Se a esta sobra acrescentarmos a de 2:000$000 réis do conselho geral, e a de 5:000$000 réis da instrucção especial, sobe o saldo annual a 30:000$000 réis[1]. Estes 30:000$000 réis, em vez de serem applicados á instrucção primaria, vão reforçar a instrucção superior, alem das sobras da mesma instrucção superior reverterem tambem para ella. Não será inferior, antes excederá a 40:000$000 réis o total das sobras. Quer dizer: mais de 40:000$000 réis na dotação geral da instrucção publica deixam de ser applicados annualmente á desgraçada instrucção primaria, podendo aliás com esta somma crearem-se mais quatrocentas e cincoenta cadeiras, ou quarenta edificios escolares, ou o ensino profissional, ou o que mais urgiria, como a primeira necessidade da instrucção elementar, uma organisação da inspecção local em todo o reino. O remedio para este assumpto importantissimo da melhor applicação dos saldos ao ensino primario, só se conseguirá com a fundação de um ministerio de instrucção publica. Nem contra a idéa do novo ministerio poderão objectar com o augmento da despeza, o cabo de Não das reformas portuguezas. Pelo contrario, a organisação do novo ministerio terá por anjo protector a economia, esta phantasiosa dama tão avidamente requestada nos tempos que vão correndo, como desdenhosa entre os afagos com que pretendem seduzi-la. A direcção geral de instrucção publica, actualmente composta de quatro repartições, poderá, quando ministerio, abranger tambem os negocios da sua contabilidade, se ao mesmo tempo se realisar o principio ha tanto reclamado da simplificação dos serviços, já pela diminuição do expediente, já pela descentralisação de negocios que passariam para os estabelecimentos subalternos, como a nomeação dos empregados inferiores, os espectaculos publicos e outros assumptos. Exemplifiquemos, para ficar bem clara a nossa idéa. Que principio justificará em pleno seculo XIX o anachronismo de dois diplomas regios, decreto e carta, para a nomeação do mesmo funccionario? Que necessidade insta por um acervo de decretos, de portarias, de alvarás, de officios, e todo este labyrinto multiplicado ainda pelos registos, quando bastaria, em geral, o simples despacho nos processos, e a sua publicação no diario official? O que dizemos do novo ministerio da instrucção publica, applicâmo-lo tambem aos outros ministerios, porque uma das mais pestiferas chagas da nossa organisação, ou desorganisação, é o nefando reinado da papelada. Mais obras e menos palavras. Não achâmos que o paiz tenha funccionalismo excessivo; o que tem é funccionalismo excessivamente accumulado. Ha muitas repartições do estado que dispensariam parte do seu funccionalismo, simplificado o expediente; mas tambem ha muitos serviços que seria indispensavel crear ou reorganisar, e apontaremos entre elles a reforma penitenciaria, a beneficencia, a estatistica, a inspecção e outros. Desculpe-se-nos termos descido a exemplificar estas ultimas particularidades, mas era necessario fazermo-lo para levar aos espiritos o convencimento por meio dos factos, que são a rasão pratica das cousas. IV Vamos concluir. Demonstrámos que o systema das direcções foi um passo notavel, servindo de transição natural para novas descentralisações, como a que se indigita. Demonstrámos a indispensabilidade de converter a direcção geral n'um ministerio de instrucção publica, que dê o impulso ás reformas reclamadas em vão ha tantos annos. Demonstrámos finalmente que a idéa do novo ministerio ligado a outro se póde realisar com economia, e em todo o caso sem augmento nenhum de despeza. Desenganemo-nos: não haverá reforma possivel na instrucção publica sem a existencia de um ministerio especial. E, perguntâmos: querem demorar por mais tempo as reformas da instrucção, e sobretudo da instrucção primaria? Um paiz que no seculo XIX não possue uma só cadeira de ensino primario superior nem profissional, que nas proprias escolas elementares desconhece a educação physica, o desenvolvimento intellectual, e, póde-se dizer, a educação moral, que não organisou ainda a sua instrucção primaria na base indispensavel da localidade, que não tem senão 331 cadeiras para o sexo feminino, um paiz que de 750:000 creanças de sete a quinze annos de idade tem fóra da instrucção 650:000, cuja media de creanças do sexo masculino é de 3 para 100 habitantes, e do sexo feminino de 1 para 100; um paiz que não tem inspecção local, e apenas a sombra de inspecção districtal, que não tem bibliothecas populares, que não distribue livros, que não ensina ao povo nem desenho, nem canto, nem principios de agricultura e industria; um paiz cujo magisterio primario morre de fome, sem carreira gradual que lhe abra o incentivo do futuro; um paiz cuja dotação do ensino primario, menor do que a dotação do ensino superior, não encontra auxiliar valioso nos recursos da associação nem do individuo; um paiz n'estas circumstancias não é um paiz europeu, digamo-lo com profundo desgosto, é um paiz semibarbaro. Forcejemos porque não o continue a ser. Lembrem-se os poderes publicos, e lembremo-nos todos, de que o problema da instrucção nacional é a bandeira da liberdade e do progresso. O governo acha-se auctorisado pela carta de lei de 9 do corrente mez de setembro a reorganisar os serviços publicos. Está na mão d'elle dar o grande passo para as reformas do ensino nacional, creando o ministerio da instrucção publica nas condições que ficam delineadas. Não deixe perder este ensejo, que talvez não se repita. Levante a questão do ensino que roja apesinhada ha tantos annos. Avalie a responsabilidade que tomou sobre os hombros e desempenhe-se d'ella, na especialidade que tratâmos, com proveito para o paiz, que jazendo nas trevas tem sêde da luz. Façam causa commum no assumpto as parcialidades que nos dividem. A questão da instruccão publica não é uma questão de partidos, é uma questão nacional, uma questão de vida ou de morte para o futuro da nossa terra. Não está defronte d'ella a politica, está a nação. FIM [1] Estas cifras são extrahidas das ultimas contas impressas do ministerio do reino, do exercicio do anno economico de 1864-1865, comparadas com a tabella das despezas auctorisadas para o mesmo anno. End of the Project Gutenberg EBook of Necessidade de um Ministerio de Instrucção Publica, by Antonio da Costa *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MINISTERIA DE INSTRUCCAO PUBLICA *** ***** This file should be named 32794-8.txt or 32794-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/3/2/7/9/32794/ Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. 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